2.2.09

troca de palavras

um estranho aproximou-se e perguntou-me se era meu costume passar por ali. ali, naquela rua. ali, àquela hora da noite. se era costume. se nunca vira uma mulher, uma maria ou cristina - não me recordo - a conversar, lá do cimo da varanda, com um homem, cá em baixo. um homem, o ex-marido, disse-me. era meu costume, sim, passar ali, não querendo dizer que fosse sempre a esta hora, mas que nunca reparara em tal mulher cristina ou maria, nem em nenhum ex-marido. que ela era mais velha, que era divorciada e que há dois anos que estavam juntos, mas que agora ela tinha voltado para casa da mãe, essa cristina ou maria e que ele sentia muito a falta dela, mas que desconfiava que o ex-marido andava por ali e que até lhe viu o carro e que correu atrás, mas que fugira. estivera preso e que só lhe apetecia entrar por ali dentro e estrangular a cristina ou maria, ou seria carla? que a mãe que era uma pobre coitada de cadeira de rodas lhe dissera para não pensar mais nela. que não o merecia. e eu dava-lhe razão, à mãe. mas que não aguentava o ciúme, a falta, a troca. que era homem. que ia subir à varanda. que ia matar a cristina ou maria, ou seria carla? não faças isso - pedi-lhe - estragas a vida. vais preso outra vez, mais uma vez. que ela não o merecia. eu nem o conhecia. e dela, nem sabia da existência. a casa pareceu-me sempre vazia. que não sabia o que fazer e que se fosse eu, o que faria. corria - disse-lhe - corria muito e cansava-me. assim, ao chegar a casa, caia e dormia e não pensava mais nela. na carla ou cristina, ou seria maria? que ia fazer o que lhe tinha dito, mas que reparasse bem, num destes dias, se a varanda não se ocupava de nenhuma mulher, o chão de nenhum ex-marido e o ar de nenhumas palavras de aproximação, conquista, paixão. e desapareceu, rua acima, num passo rápido, que não era de corrida. ser estranho. indecifrável. desbotado. o zé.

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